2.3.06

Fiquei bastante tempo sem escrever, estava sem inspiração, sem vontade.. Mas nesse feriado de carnaval conheci uma pessoa sobre quem vale a pena falar. Chama-se Gabriela:

Nós nos conhecemos por acaso. Estava eu passando o carnaval na ilha de Superagui, e estava ela morando na ilha de Superagui há quatro anos, coincidentemente desde que nasceu.
Eu, sentada, tomando minha cerveja na dura vida de acordar num paraíso sem preocupações. Ela, correndo do Josias, um rapazinho simpático, um pouco perturbado. E foi em mim que ela encontrou o refúgio, quando o Josias parou de persegui-la.
Constatando que perto de mim ela estaria a salvo, não me largou mais pelo resto do dia, até de madrugada, quando fui dormir e ela continuou acordada. Sim... pequena, mas boêmia!

Já é interessante tentar entender o mundo de uma criança de quatro anos. Fascinante é conhecer o mundo visto por uma criança de quatro anos que mora em uma reserva ecológica, de onde nunca saiu, que não conhece asfalto, prédios, que só viu carro pela tv.
Nós ficávamos tentando entender o mundo dela, e ela, o nosso.
Sua família era meio complicada... morava com a mãe, tinha irmãos. Dois deles morreram, segundo ela, de tanto comer doce. “É porque eles só tinham três anos. Só pode comer doce depois dos quatro!”, nos explicou a Gabriela. Sua irmãzinha menor “escangalhava” todos os seus brinquedos.
Tinha dois pais. “Mas como você pode ter dois pais, Gabriela?” - “Um não mora comigo, o outro eu não conheço”, dizia com naturalidade.
Além de fascinante, era muito perspicaz e decidida. Cheia de atitude.
Contou, depois de termos enchido sua barriga com 2 chocolates e 1 danoninho, sobre seus irmãos que morreram de tanto comer doce. A questão foi ter contado na frente da Thais, a pessoa mais neurótica do mundo, que já imaginou que ela era diabética, ou que tinha alguma restrição a doces, que iríamos matar a menina. E a Thais ficou, por mais ou menos uma hora, tentando obter informações sobre a árvore genealógica da Gabriela, incluindo o histórico médico.
Quando íamos até a padaria comprar os doces, mais cedo, outros turistas ofereceram uma garrafa de coca para ela (sim, ela era muito popular por lá). Educadamente ela recusou, e quando eu perguntei se ela não gostava de coca, ela respondeu: “Gosto, mas não quero”.
Outro fato muito interessante era vê-la tentando imaginar como era a cidade grande.
Em Curitiba tem areia?, ela perguntava. Então como vocês fazem pra andar? Ela não sabia o que era asfalto, calçada, rua... Perguntamos sobre carros, se ela conhecia. “Sim, já vi na tv”.
O mais incrível foi ela tentar visualizar um prédio. (segundo relatos dela mesma, ela já havia visto um prédio em Guaraqueçaba, quando era bebê). Tentávamos explicar da maneira mais simples possível, dizendo que era uma casa sobre a outra, que várias pessoas moravam lá, e que nem sempre você sabia quem morava em cima, ou embaixo. “É do tamanho daquela árvore?”. A árvore era o máximo que ela conseguia imaginar, e a deixou deslumbrada saber que o prédio onde eu moro era bem maior que a árvore que ela apontava.

Eu poderia ficar horas relatando histórias da Gabriela, a menina boêmia que mora em uma ilha, nunca viu carros, não sabe o que é um elevador, e não sabe nadar. Isso porque, com certeza, nunca a esquecerei.

“E daí, Gabriela? Quando formos embora você vai lembrar de nós?”
Como resposta, um aceno negativo com a cabeça. E saiu correndo para a festa, que continuava enquanto nós íamos dormir.
Não consegui me despedir dela no dia seguinte, mas com certeza trouxe comigo um pouco da sua inocência.

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