2.4.11

Madrugada de sábado

13 horas da madrugada de sábado e eu acordo com o interfone. No começo achei que fosse o telefone e resolvi não atender, até que reparei que era o barulho do interfone mesmo.
O sono era ainda gostoso, aquela vontade de não levantar... e o interfone parou. Por alguns segundos tive aquela sensação gostosa do silêncio e imaginei que pudesse continuar dormindo, até que começou novamente.
Levantei num pulo, meio atordoada, troquei de calça, dei uma guaribada no cabelo - como se isso fosse possível - e corri pra sala. O interfone tocava e o telefone também. Corri para o interfone, abri o portão e o telefone, que havia parado assim que atendi o interfone, voltou a tocar.
Era do Panamericano, oferecendo cartões de crédito.
É incrível a habilidade que essas pessoas desenvolvem, começam a falar aquele texto decorado (ou lido) e sequer te dão tempo de responder ou tentar interromper. Elas simplesmente não respiram! Só falam, falam e falam.
Consegui finalmente interromper a moça que falava e expliquei, sem orgulho algum, que eu já sou empregada de banco, que não pago anuidade pro meu banco e que não pagaria pra outro banco, e que já tenho o cartão que ela está me oferecendo.
Ela respondeu que não tinha entendido o que eu havia falado.
Vou me defender dizendo que eu tinha acabado de levantar, e, como diz o Érico, não dá pra chegar perto de mim quando eu levanto porque eu não gosto de acordar. Além disso, na minha cabeça todas as palavras foram ditas com todas as letras. Talvez eu só tenha esquecido de pronunciá-las.
Respirei fundo numa tentativa de acordar um pouco mais e repeti, desta vez com a boca, que eu já era empregada de banco, que já tinha o cartão e que não pagava anuidade.
- Mas a senhora não tem interesse em desfrutar...
- Não, não tenho interesse.
- Mas a senhora não tem intere...
- Não tenho interesse.
E assim desligamos o telefone. É bom mesmo não tentar contato quando eu acordo.

Enquanto desligava fui até a porta, que as duas do interfone estavam esperando.
Entraram, fomos até a mesa, baixei o volume da tv que o meu sogro assistia e começou a sabatina.

Uma hora e vinte minutos que não recuperarei mais.

Fora o fato de eu ainda estar sonolenta e esquecer algumas vezes de pronunciar as palavras, e de outras vezes desligar um pouco enquanto elas falavam, foi uma hora e vinte minutos de papo de vendedor.
Vou explicar: era um curso pra aprimorar a leitura para o qual eu fui "indicada" (êêê!). Ao final do curso você consegue, segundo me foi dito, ler e assimilar mais de 2 mil palavras em não sei quantos segundos. Como se pode notar, eu não prestei muita atenção. Só queria dar as respostas certas para que aquilo acabasse o quanto antes.

Eu já mencionei que foi uma hora e vinte minutos?

O curso até que não parecia ruim, mas realmente acabou pra mim quando a guria falou "eu estou tentado te ajudar, mas pelo jeito você não quer que eu te ajude", quando eu disse que não fecharia o curso ali, naquele exato momento, que era o que elas queriam.
O gran finale veio quando ela ligou para a superior dela pedindo autorização para me oferecer o super desconto no curso - que obviamente eu poderia pagar, já que com esse desconto até estagiários conseguiam fazer o curso. "Estagiários não fazem reforma no apartamento" foi a minha resposta, justificando novamente por que a minha renda estava comprometida.
Enfim, ela ligou para a sua superiora e começou a conversa com um "Boa tarde Senhora" - isso com a superiora dela. "Estou aqui com a fulana oferecendo o nosso método, mas ela está com uma certa dificuldade financeira e não pode arcar com o custo atual. Senhora, eu gostaria de permissão para oferecer o nosso desconto especial para alunos da ..." - que não era o meu caso.

Primeiro, eu não falei que estava em dificuldade financeira. Talvez ela tenha deduzido isso por conta própria, mas não foi de mim que ela obteve essa informação. Segundo, Senhora? Quem é que chama o seu supervisor de Senhora, e somente Senhora?
Entendo que a Senhora não seja uma vendedora de rua, que não está acessível, mas se ela chamasse a fulana pelo nome, como Carla, ou, sei lá, Silvana, por acaso eu teria como adivinhar que Carla ou Silvana era essa Senhora exatamente?
"Boa tarde, Carla, eu estou aqui com a ..."
"Ah, então é a Carla que autoriza o desconto? A Carla? Já sei quem é! Se fodeu, Carla!"

Uma hora e vinte minutos depois, mesmo com a autorização da Senhora para me dar o desconto especial, não fechei. Elas foram embora sorridentes e eu fiquei com a dor de cabeça.
Acordei o Érico e contei o meu drama.

- Não fale assim, coitadas das vendedoras. Eu sei como é, já fui vendedor de Barsa.
- Você foi vendedor de Barsa por 5 minutos e elas ficaram aqui em casa mais de 1 hora! No telefone falaram que não demorava mais que 20 minutos...
- Que 5 minutos? Eu vendi Barsa por duas semanas!
- E quantas Barsas você vendeu?
- Nenhuma.
- Então você não vendeu Barsa por duas semanas, né?

Eu deveria ter seguido o conselho do Érico e dito que minha religião não permite. Imagine se o pastor descobrir que eu consigo ler mais em menos tempo! Posso ser expulsa da igreja! É pecado!

Mas o problema foi que eu fiquei sem reação ao telefone e não soube dizer não. Acabei com duas vendedoras na madrugada de sábado na minha casa. E no final não soube dizer não novamente porque acabei indicando a Thais para o curso. Não foi sacanagem, tipo pai que coloca o mesmo nome horrível no filho só pra ele sofrer o mesmo na escola e em toda a vida por ter aquele nome, foi a pressão. Só indiquei porque sei que a Thais perdeu o carregador de bateria do celular. Espero que não ache porque ela é ainda pior que eu em matéria de dizer não.

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